Uma das minhas memórias de infância é uma prática partilhada entre a minha mãe e a minha avó materna que consistia em “roubar” pedacinhos de plantas alheias para fazer nascer outras. Esta prática não era nociva, nem sequer deixava grandes vestígios, mas lembro-me de as ver parar nos vãos de escadas de prédios, nas varandas mais baixas, junto às grades das casas, e, com os mesmos gestos, retirarem cuidadosamente um pedacinho da planta, que era transportado com cuidado até casa para ser colocado num frasco com água.
A técnica para que a propagação de plantas alheias resultasse era uma combinação de mestria e tempo. Mestria no corte do rebento, que não podia danificar nem a estrutura original, nem o pedaço que viria com elas para casa. Tempo, porque depois de devidamente acondicionado num copo ou frasco com água, era preciso esperar que as raízes nascessem e tivessem força suficiente para serem transportadas para um vaso.
No domingo, de mãos na terra, enquanto transferia um pedaço de planta cujas raízes tinham sido negligênciadas por umas semanas, ocorreu-me que isto de propagar plantas é um bocado como desenvolver ideias.
Vejamos: ter uma ideia leva tempo. Ou melhor, ter uma ideia leva apenas uns segundos (e a minha mãe e a minha avó tornaram-se peritas em roubar pedacinhos de plantas em segundos, porque havia quem não achasse piada), mas é preciso tempo para a fazer vingar.
É sobre ver o potencial numa coisa bonita que nos chama à atenção e tirar um pedacinho dela para nós.
Depois, é preciso cuidar dela, dar-lhe tempo, deixar que crie raízes. A planta e a ideia. Eventualmente, ambas irão propagar-se e transformar-se em algo maior. Ou então, não resistirão ao teste do tempo e acabarão por morrer. A ideia e a planta.
A minha mãe ainda hoje “rouba” plantas. E quando o faz conta-me com a voz baixinha para ninguém ouvir. Eu não o faço, porque ela depois partilha o pecado comigo, mas já crescido!
Obrigada Lídia :) pelo valor da memória, também aqui há o crescimento de relações.
Excelente texto de hoje, simples e prático e relembrar que é preciso cuidar, para crescer.