sobre política e contar histórias
As histórias que nos contam (e as que insistimos em acreditar)
“Não vale a pena votar, são todos iguais.”
“Portugal precisa é de mão dura.”
“Antigamente é que era.”
“Os pobres são pobres porque querem.”
Repara: estas frases não são opiniões. São roteiros. Pequenos contos populares, passados de boca em boca, na conversa de café, na sala de espera do hospital, na sala de aula, no jardim. São contados como se fossem verdades universais ou factos históricos, mas são só isso mesmo: histórias. E, como todas as histórias, servem um propósito.
Neste caso, o propósito é chegar ao estado em que estamos, quiçá ficar um pouco pior.
Vivemos através de narrativas. As histórias servem para definir o que achamos possível, decidem em quem escolhemos confiar, o que achamos normal. Moldam o nosso dia a dia, os valores com que nos pautamos e, se não tivermos cuidado, moldam a nossa tolerância à desigualdade, à corrupção, ao autoritarismo. Moldam até o tamanho da nossa esperança.
E antes que penses “lá vem mais uma crónica sobre política com tons de propaganda barata”, descansa. Não venho falar em partidos, nem quero pintar esta página com cores. Venho antes falar do que acontece antes do boletim de voto, o que vai sendo contruído entre eleições, na conversa ao jantar, nos memes partilhados no WhatsApp, nos comentários do Facebook.
Porque um país, antes de votar, tem de acreditar. E o que acreditamos vem, muitas vezes, de histórias mal contadas.
Portugal foi a votos e não faltaram narrativas para escolher:
A da salvação heróica, protagonizada por um “homem de bem”, que vai limpar isto tudo como quem arruma a garagem ao domingo.
A do pragmatismo moderado, com alma de PowerPoint e de Excel, onde ninguém levanta ondas, só colunas com indicadores.
A da nostalgia operária, onde o privado é o maior vilão.
A do empreendedor, que se parece mais com uma TedTalk sobre meritocracia.
E tantas outras. Mais do que programas, venderam-se enredos de telenovelas. Bilhetes para o fim do mundo.
O problema não está em haver narrativas na política. Sempre as houve e sempre as haverá.
Em 2008, a campanha de Barack Obama mostrou ao mundo o poder de uma história bem contada. Mais do que slogans, mais do que programas, construiu-se uma narrativa: esperança, mudança, pertencimento. Mais importante ainda, essa narrativa foi colocada onde as pessoas estavam: nas redes sociais, nos seus ecrãs, nas suas rotinas. A equipa de campanha percebeu o que muitos ainda hoje escolhem ignorar: as pessoas não votam em promessas, votam em enredos onde se conseguem imaginar.
Este fenómeno não é novo. Apenas ganhou novas ferramentas. Desde que a História se escreve que há quem a molde com intenção. Os grandes movimentos políticos, os pequenos preconceitos quotidianos, os consensos perigosos… Tudo começa com uma história bem contada, repetida vezes sem conta até se tornar verdadeira.
Os movimentos totalitários não nascem das sombras. Crescem à luz do dia, regados por narrativas cuidadosamente construidas. Falam da proteção de valores, da recuperação de tradições, de salvar a pátria. Usam o medo como a palavra de ordem. E funcionam porque, no fundo, são histórias com vilões claros, heróis fáceis de identificar e um final feliz prometido.
As narrativas dão poder a quem as conta. O desafio é perceber quem as está a contar, com que propósito, e a que preço.
Repito: o problema não está em haver quem conte histórias na política. O problema está em aceitá-las sem as questionar. Em repetir frases tiradas do Facebook como se fossem verdades. Em desistir de pensar por conta própria e entregar o bom senso a terceiros. Em pensar que “não vale a pena”.
Vale, sim.
Vale sempre.
A História deste país também é feita de quem acreditou noutras histórias. De quem se arriscou a mudar o vilão da história e, ao fazê-lo, mudou o rumo de um país.
A pergunta, então, não é só “em quem votaste?”
A pergunta é: em que história queres acreditar?
Este é um post que mostra o poder do storytelling ou as histórias que contamos a nós próprios e à nossa sociedade. Talvez tenhamos de começar a conta outra história (a de progresso, a de crescer, a de arregaçar as mangas e construirmos juntos) e talvez apareçam melhores políticas