Estou numa fase em que me custa juntar mais do que duas frases seguidas. Escrevo e reescrevo, uso a tecla para apagar mais do que devia. O ciclo é: escreve, lê, odeia, apaga, repete. Passei dias consumida porque não tinha tema para esta newsletter. Por momentos, pensei “Perdi a inspiração.”
A inspiração é um conceito sexy. É giro pensar no escritor que é acometido por uma onda criativa e escreve um livro de enfiada. Ou o pintor que passa a madrugada em branco para por cor na tela.
Só que este conceito tem muito pouca aplicação nos dias que correm. Ou, pelo menos, para o comum dos mortais, que se levanta às sete para trabalhar e, ao final do dia, ainda tem jantar para fazer, banhos para dar e operações de matemática do primeiro ciclo para resolver. Nada mata a inspiração como ter de voltar a aprender a fazer contas à mão.
E eu até passo noites em branco, mas os fantasmas da vida adulta não deixam muito espaço para que a musa se sente ao meu lado. Há sempre uma preocupação que ocupa espaço demais. Mais do que isso, é preciso aceitar que a inspiração é uma coisa vaga, um fulgor, um relâmpago instantâneo que, só por si, não cria coisa nenhuma.
Há aquela frase, que diz que a sorte é 1% de inspiração e 99% de transpiração. É uma frase muito bonita, que dá um excelente post de Instagram ou uma partilha de LinkedIn digna de comentários plenos de #gratidão. Para mim, é só uma frase vazia que se esquece de colocar algumas coisas na equação, como o contexto, as ferramentas e a sorte. Porque nada se faz sem a sorte.
Mas é também verdade que nada se consegue sem trabalho (ou talvez se consiga algumas coisas, mas isso é tema para outra conversa) e eu já sou crescida o suficiente para saber que esperar por um rasgo de genialidade só vai, provavelmente, deixar-me (ainda) mais frustrada.
Foi por isso que, mesmo sem inspiração, mesmo a sentir que não sei juntar duas palavras, sentei o rabo na cadeira e escrevi esta edição da newsletter.
Desde já vos peço desculpa por isso.
Lídia
3 coisas para ler
3 livros que li em fevereiro.
O Jardim Secreto, Ernest Hemingway
Começo por avisar que fevereiro foi um mês péssimo em leituras. E foi, em grande parte, culpa deste livro.
Eu sei que Hemingway é um autor que fica sempre bem na lista de autores favoritos de qualquer aspirante a escritor. E eu gostava mesmo de ter gostado deste livro, mas achei-o uma seca tremenda, com personagens banhadas em clichés e um enredo muito mal amanhado.
Foi o primeiro que li de Hemingway e vai demorar um bocadinho até ter vontade de repetir a proeza.
Flores Cortadas, Karin Slaughter
Um bom thriller é o perfeito limpa-palato depois de um livro difícil, por isso peguei logo neste.
A coisa começou com um bom ritmo, mas lá para meio eu já tinha percebido a história toda, já tinha descoberto o que se tinha passado e só queria que o livro terminasse, para pegar noutro.
Sabem quando estão no cinema, a ver um filme mais ou menos, e só vos apetece sair para ir fazer chichi? Este livro é isso.
Ala D, Freida McFadden
Eu jurei que ia parar de ler Freida há três livros, mas aqui estamos nós, a falar sobre um dos mais recentes lançamentos dela em Portugal. Entre o momento em que escrevo e o momento em que vocês recebem esta newsletter, é bem possível que sejam publicados mais dois ou três e esta primeira frase fique desatualizada.
Ala D é mais do mesmo, o modelo de todos os outros livros, mas com nomes diferentes para as personagens. É o que é, já não surpreende, já não espanta, mas eu continuo a ler, só para poder irritar-me.
A Freida é a minha Trash TV.
2 coisas para pensar
Duas partilhas que achei interessantes.
Pode usar-se IA no processo criativo?
A utilização de IA na escrita continua a ser um daqueles temas que fazem algumas pessoas reagirem como se tivessem bebido café estragado. Entre o entusiasmo e o apocalipse literário, a verdade é que já convivemos com algoritmos de linguagem sem nem perceber.
Eu defendo que sim, é possível usar a IA no processo criativo — se souberes o que estás a usar e como o fazer.
Se quiseres entender melhor o que acontece quando um LLM (Large Language Model) entra no processo criativo, recomendo este artigo do The Pudding.
Quem quer ser um psicopata?
Sabem aqueles testes online que prometem revelar traços sombrios da vossa personalidade? Encontrei um que é tão divertido como perturbador. Chama-se Absurd Trolley Problems e basicamente coloca-vos no meio de dilemas morais cada vez mais absurdos.
Se hesitarem, será que isso vos torna boas pessoas? Se escolhem sem pensar, será que deviam preocupar-se? Talvez seja melhor jogarem e tirarem as vossas próprias conclusões. Depois contem-me: dormiram bem depois disto?
1 exercício
Um exercício para desbloquear a criatividade.
Uma carta para o Eu do futuro
Sabem aquela trend "fui beber café com o meu eu de 20 anos"? Como diria a minha amiga Andreia Moita, eu não teria, hoje, pachorra para o meu eu de há 10 anos. Mas será que vou gostar do meu eu de hoje, daqui a dois anos?
Seja como for, escrever para o teu “eu do passado” ou o teu “eu do futuro” é um exercício de criatividade, auto-análise e, porque não, de ficção científica. Se quiseres experimentar, o site FutureMe permite que envies uma “carta” para ti mesmo, a receber numa data específica.
Talvez o teu "eu de amanhã" precise de um conselho que o teu "eu de hoje" pode dar.
Por onde ando?
Aqui e ali, uns dias mais ali do que aqui. No mundo virtual, estou no LinkedIn e no Instagram.
Aqui, no Substack, podes ler os últimos textos:
Também me podes escrever para lidiatavaresdias@gmail.com
Até março!
Foto de capa da newsletter de Alex Gruber na Unsplash
As minhas leituras também estão pelas ruas da amargura. E comprei 5 livros em outubro e ainda só terminei um. Já passei semanas sem pegar num livro (algo muito estranho para mim!).
Também concordo que não damos destaque à sorte. Sim, nada se faz sem sorte e a "sorte dá muito trabalho" - a sorte não dá trabalho nenhum, ela simplesmente acontece.
Como te compreendo e como me revejo nessa falta de inspiração que me surge também. Não é fácil encontrar tempo e espaço para criarmos entre tantas ocupações e preocupações. Mas a gente continua. Um beijinho